sábado, 11 de abril de 2009

A incrível falta de leveza do ser

Tragédias costumam produzir efeitos incríveis no ser humano. Despertam o que há de melhor, mas também o de pior em cada um, às vezes. Há menos de um ano as enchentes aqui no sul do país acordaram um sentimento de solidariedade que não lembro ter percebido ao longo dos meus trinta e poucos. Esse mesmo drama mostrou o quanto as pessoas podem ser mesquinhas ao roubarem ou deixarem apodrecer roupas e alimentos arrecadados.

Hoje, assistindo os noticiários, me emocionei com o funeral coletivo na Itália, depois de seguidos terremotos. Bombeiros e outros socorristas, além de autoridades, se solidarizavam às centenas de parentes de vítimas que enterravam, por vezes, mais de um morto. O lado ruim dessa história veio de variadas correntes. A começar do sempre incrível primeiro-ministro Silvio Berlusconi ao sugerir não hoje, mas ainda no local da tragédia, que os desabrigados, cerca de 28 mil, vissem aquela situação como um "acampamento de férias". Logo quando passou a matéria, achei que tinha entendido errado, ouvi alguma informação truncada. Infelizmente, não. “que filho da...”, pensei (alto, aliás)! Como foi capaz de se virar em rede nacional e dizer aquilo a uma população que vê, em questão de minutos, tudo ir abaixo, contar e sepultar seus 290 mortos?

Na matéria de hoje abria-se um parêntese para a explicação que fez todo sentido em minha cabeça: Berlusconi é o segundo homem mais rico daquele país. Aí ficou claro. É o típico pensamento de quem tem muita grana e acha que isso é tudo na vida. Tá nem aí e nem se dá conta. Tudo bem, não sejamos generalistas. Mas é o tipo de gente que, mesmo com todo dinheiro do mundo, morre de uma doença degenerativa – e, portanto, sem cura – e rara ou pior: morre sozinho mesmo. É uma constatação, não é uma praga!

Toda a população colocou sua casa à disposição. Assim também o fez o ministro. Pra ver se diminuía a má impressão, com certeza. Colocou suas mansões às ordens. Você iria? Pois é, nem eu! O pior é dizer que Berlusconi é o menor dos problemas: existe um forte indício que a maioria dos prédios – que simplesmente desintegraram – tenha sido erguida a base de areia de praia. Dá pra acreditar? Pessoas morando em verdadeiros castelos de areia construídos por outras pessoas!

Mais aqui pros trópicos, precisamente na cidade de Viamão, Rio Grande do Sul, uma garota de quinze anos corre o risco de ter a perna amputada, e mesmo de morrer, após dar entrada num hospital, com uma fratura grave, há três dias. Atendida e levada ao pronto socorro por policias, que improvisaram uma imobilização, a garota se queixa de dores e tem tido febre muito alta, devido à infecção do ferimento, segundo o jornal.

A cena foi: uma garota, com a perna enrolada numa espécie de lençol para cima, sem profissional algum por perto. Lógico, afinal estavam filmando. Os parentes, desesperados querendo levar a menina pra outro local, sem saber como fazê-lo dada a gravidade do caso. Também de acordo com a reportagem, os médicos disseram que a menina foi atendida no que foi possível. Mas o que é que se entende como possível se a garota continuava da forma que entrou há 3 dias? Por que tanto tempo para a direção do hospital identificar que não tinha capacidade de oferecer o atendimento?

Do mais simples ao mais rico, as pessoas têm tirado o pé do freio no que diz respeito ao descuido mútuo com uma facilidade impressionante. Salvos por um, espancados por dez, sobrevivemos nesse mundinho, onde se constrói casas de brinquedo, onde a vida vale cada vez menos.

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