Daria uma boa chamada, acho. Cada vez que leio uma nota sobre o filho de Ivete Sangalo – também conhecido como Marcelo – ou recordo o tempo que o assunto mereceu destaque na versão online de A Tarde, lembro do pito que levei de minha editora, nesse mesmo jornal. A essas alturas, ano passado, era repórter freelancer de A Tarde. Estava eu, cumprindo a pressão da minha pauta, escrevendo sobre um rapaz assassinado num bairro do Subúrbio, supostamente por policiais, quando alguém gritou que eu precisava checar uma informação mais urgente: Ivete Sangalo divulgou no site, no blog, sei lá, que estava grávida!
Na verdade, do jeito que o colega chegou falando, achei que fosse somente um comentário. Lembro que voltei a cabeça pra ele e disse: “sim, mas e daí?”. E ele: “e daí que isso é notícia!”. Eu, jornalista, não tiete: “ah, tá. Isso muda mesmo muita coisa! Inclusive tenho uma mãe aqui no telefone acusando um policial de ter matado o filho dela. Quer que eu diga a ela que Ivete tá grávida?”.
Daí já viu a confusão em que me meti, né? Veio a editora cobrar a informação, eu ainda atendendo aquela senhora sem ver muito sentido na proporção do alvoroço que minha negativa tomou. Até que outra colega, acostumada a lidar com as celebridades, assumiu a matéria. Aquilo virou o comentário do resto do dia mas eu, sinceramente, não esquentei. Recusei uma ordem que me agredia como pessoa, como cidadã.
É preciso ressaltar que não é que não goste de Ivete. Tampouco morro de amores! Até a considero uma artista excepcional: criativa, completa e carismática. Ela é desses tipos mão de Midas, a meu ver. É a exposição que me incomoda. Aliás, a procura de anônimos por essa exposição.
Me faz lembrar outro episódio absurdamente marcante na história da mídia brasileira: Ivete se tornaria quase uma outra Xuxa parindo Sacha. Guardadas as proporções, é lógico! Muito possivelmente o fato de ser uma nordestina aparecendo num esquema midiático tradicionalmente mantido no eixo centro sul, diminui a possibilidade de exposição no mesmo nível. Naquele ano, paralelo ao nascimento da filha da “rainha dos baixinhos”, conhecida também por Sacha, o sistema de telefonia nacional era vendido a preço de bananas, segundo especialistas. Apesar disso, o principal telejornal da noite, o Jornal Nacional, destacou o parto da apresentadora, bem como a estrutura que ela montou no hospital para abrigar amigos e parentes durante o período que ficaria internada. Pelo sim, pelo não, o fato é que hoje estamos entregues a uma prestação caótica de serviços telefônicos, sem fiscalização eficaz e cobranças absurdas em taxas e assinaturas.
O páreo para o bebê Sangalo foram as provas vazadas do Enem. No ano em que o exame passaria a ser adotado também como critério em algumas instituições de ensino superior e milhares de estudantes se preparavam para realização das provas, viajando para outras cidades inclusive, as questões do exame vão parar nos jornais. E é bom destacar que mais uma jornalista se sentiu incomodada com algum tipo de sujeira! Agora, quase vinte universidades se veem obrigadas a alterar o calendário de seus processos seletivos em todo país.
Uma das empresas participantes do consórcio responsável pela organização do Enem é baiana. A Consultec simplesmente se reservou ao direito de permanecer calada. A maioria dos jornais sequer pôde citar seu nome. Mas nem precisou. Ninguém nem lembrava que a CONSULTEC (gravem bem) tava no esquema porque baby Sangalo deu o ar da graça! Apareceram até falsas fotos do guri. Outro deslize de alguns colegas. A gente aprende, logo nas primeiras aulas, que checar a informação é vital no jornalismo. Mas, se até minha editora esqueceu isso, imagina! Nem vou citar o fato de alguns estudantes terem permanecido de plantão na entrada do hospital em vez de estarem preocupados com a fraude das provas.
Vale a ressalva, pelo amor de Jah: não tenho nada contra ou a favor de Ivete Sangalo, muito menos a seu filho. Aliás, desejo muita saúde e sorte a Marcelo, como a qualquer outro guri. Entretanto, infelizmente, é esse o mundinho que o aguarda. Que aguarda a todos nós. O mundinho em que as prioridades estão/são trocadas o tempo todo. Seja pela falta de humanidade, seja pela falta de cidadania, pelo lobby, pela politicagem descarada (escancarada e estampada), ou falta de ética, ou falta de respeito a privacidade, ou necessidade de (super) exposição, ou o espetáculo midiático de consumo, ou a corrida irracional da audiência, ou o quanto pior melhor, ou, ou...
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