segunda-feira, 31 de março de 2008

“Chega de senzalas e capitães do mato”

A frase que intitula o texto é de Joquielson, um dos representantes do Movimento dos Sem-Teto Em Salvador. Ele encerrou, no sábado, o ciclo de palestras do Seminário Quilombola do Século XXI, o qual estava assessorando. Acho que expressa exatamente a força que os movimentos sociais em geral vêm ganhando ao longo dos anos. Especificamente o grupo que promoveu o evento, o Movimento de Cultura Popular do Subúrbio. Nessas quase três semanas que tenho acompanhado ações do grupo, vi, ouvi e entendi coisas que nem todos os anos de academia me fariam enxergar ou compreender. E isso não significa que esteja invalidando minha experiência em salas de aula, de modo algum.

Acontece que as coisas que passei a entender estão, sempre estiveram ali, ao alcance dos olhos de todo mundo, inclusive dos meus. De repente, tudo na minha vidinha burguesa de classe média está sendo revisto. Histórias que conhecia dos jornais agora estão tão próximas que ecoam em minha cabeça. Ouvi relatos de irmãs, mães, mulheres, meninos, pais que perderam seus filhos para o tráfico de drogas, suas filhas para a prostituição. Um sistema perverso que se arrasta e tem feito vítimas cada vez mais jovens. Ouvi também relatos dos que viram morrer, pela ação dos chamados grupos de extermínio, amigos, irmãos, parentes envolvidos ou não com o narcotráfico. São histórias impressionantes!

Os palestrantes falaram a respeito do genocídio da juventude negra, origem da cultura popular suburbana, cidadania, cultura e educação. O público jovem era formado por estudantes vindos das escolas ali mesmo do bairro e meninos que participam dos vários grupos do Movimento (como ficou conhecido pela comunidade). Se por um lado as histórias e estatísticas alarmam, também os trabalhos já em funcionamento ou mesmo em fase de projeto, entusiasmam. O que é feito no Movimento, por exemplo, é um trabalho de resgate da cultura negra e reconstrução de alto-estima fantástico!

Quando a discussão foi mais enfática sobre educação, a Lei 10.639 foi unanimidade. As reivindicações foram as mais diversas. Acredito que é passada a hora de vir nas grades escolares a real história do povo negro, nossa cultura, nossa herança. É hora também de ocuparmos cada vez mais os bancos e cadeiras das salas de aulas em qualquer nível, mas principalmente no ensino superior. Isso me fez repensar em entrar de verdade na área de educação, uma vontade antiga.

É gratificante ver o que pode ser feito, especialmente sem o poder público. Reconheço que é necessário, mas na falta (que é quase sempre, sobretudo pra essas bandas), é encorajador perceber que se pode andar com as próprias pernas e transformar, dar outro rumo a vidas muitas vezes sem perspectiva. A briga é boa, não só pela questão étnica, pelo resgate de valores e cultura, mas também cidadania e direitos básicos, já constituídos em lei. Sinto o nascimento de uma militante.


Celo, brigada mais uma vez, pelo presente!!

quinta-feira, 27 de março de 2008

Meus livros, meu mundo

Mais cedo ouvia uma entrevista do professor Nelson Preto, professor da Faculdade de Educação da Ufba e a psicopedagoga da escola AMA, Ana Lucia. O papo era sobre como conciliar educação e computador. Acabaram, como toda boa entrevista, enveredando por outros campos. Falaram também do papel dos pais e da escola nos dias de hoje, quando os pais não estão presentes, maioria dos casos.

O professor chamava atenção sobre a tentativa de compensação dos pais: por não estarem em casa, devido essa correria cotidiana, tentam fazer a lição com os filhos ou pior, acabam eles mesmos fazendo a lição dos filhos. A idéia é passar mais tempo com os pequenos (ou nem tão pequenos assim!).

Preto alertava ainda que manter um diálogo mínimo com os filhos faz toda diferença e tem influência direta no rendimento escolar. “Levando em consideração todos os dispositivos que temos, por que não entrar no messenger e perguntar como foi a aula, por exemplo? Ainda vai tirar uma onda de descolado”, brincou o educador.

Gabriel mudou de escola, escolhida por ele, diga-se de passagem. Todo dia traz uma novidade e mesmo se ninguém perguntasse – o que não acontece -, ele contaria. Essa semana chegou com uma que ficamos todas maravilhadas: está entrando no universo encantado da leitura. Está começando a juntar as sílabas e formar palavras. Com muito gosto e entusiasmo berrava pelo caminho que a professora tinha dado 10 na nota da leitura e se exibia em alto e bom tom.

Sua mãe também acompanha como pode sua vida escolar, o que não quer dizer que fique desamparado. Todos os tios e tias sempre o incentivaram na leitura, desde muito pequeno. Adorava as figuras e de tanto lermos pra ele os contos, alguns guardava de cor e, por vezes, fingia ler. A ele parece divertido e pra nós, seria estranho outra prática, quer dizer crescemos assim: lendo, desenhando, escrevendo.
Por essas e outras não entendo melhoria de vida sem passar por esse processo. Mesmo correndo o risco de chover no molhado, entendo cada vez mais que educação é base incondicional para uma sociedade que visa o crescimento e prosperidade. Incentivar o aprendizado não é favor, é investimento!

Sua sede é de quê?

Fui visitar o espaço onde vai acontecer o seminário que estou prestando assessoria. É bom, muito bom. Pouco mais de 200 lugares, entre eles reserva para cadeirantes, palco amplo. Entretanto, Cilene, a pessoa que me serviu de guia lá dentro, afirmou que os moradores não procuram o Centro de Cultura. Lá acontecem mostras de cinema, exposições, peças de teatro e apesar do preço popular cobrado na bilheteria, se a peça não for reconhecida pelo grande público, não atrai a vizinhança, ela contou.

Então pensei no quanto um espaço daquele serviria pra outras tantas comunidades. Por que às vezes é tão difícil alguns eventos prenderem a atenção das pessoas? Cilene ainda contou que no último domingo “tava rolando um pagode” que de tanta gente dificultou sua passagem pra voltar pra casa. Mas o que motiva essas pessoas? O que é motivação hoje com tanta coisa ao alcance?

Fiquei cá com meus botões procurando respostas. Já pensou no que motiva você também? O que te faz vir aqui ler minhas loucuras, por exemplo? Falando desse trampo especificamente, não é a grana, mas minhas motivações são pessoais. Tô curtindo muito fazer um trabalho no qual me sinta útil socialmente.

Analisando bem, acho que a motivação está intimamente ligada a bem-estar. Afinal, qual ser humano faz – sobretudo por muito tempo - algo que não lhe preencha? Que não lhe dê prazer? Pensando assim até se entendem os gatos pingados no salão nobre do Centro Cultural Plataforma e o movimentado domingo em frente ao mesmo espaço. Oxalá o dia em que os papéis se invertam...


Imagem: banco de imagens google

sexta-feira, 21 de março de 2008

Mais um suburbano coração

Entendi o significado da palavra comunidade. Não fui buscar no dicionário, nem google, nem nada do tipo. Fui lá mesmo. Ver de perto, entender o que se passa no dia a dia de pessoas que moram aqui atrás, no chamado Subúrbio Ferroviário. Vindo pelas “quebradas” da rua aqui de trás, da Rua Velha de Pirajá, pode-se chegar a Alto do Cabrito, Parque São Bartolomeu, Paripe, Periperi. Então, considerando o lugar onde vivo, me descobri uma suburbana! Mas, fui além da simples geografia da soterópolis e descobri mais que isso: apesar de não ter visto negado meu direito à educação e moradia de qualidade, sou suburbana na medida em que (apesar dos pesares) aposto na cidadania como fator incondicional para melhoria de vida.

Daquele papo de precisar me engajar em algum movimento social, acabei ganhando um presente: trabalhar na assessoria de um movimento social. Há uma semana participo de reuniões e discuto projetos. E colocamos a mão na massa, sim! O grupo tem uma série de sub-grupos com atividades variadas: dança, capoeira, música, teatro. E eles vão atrás de patrocínio, parceria ou qualquer tipo de ajuda ou colaboração.

Acompanhei uma apresentação teatral numa escola municipal. A trupe era pequena, apenas três atores e eles se desdobravam através de dois bonecos e um palhaço. A apresentação também foi simples, com pouco mais de vinte minutos de músicas e brincadeiras infantis. Grande mesmo era a euforia dos meninos. Nossa chegada já causara impacto (nem podia ser diferente com aqueles bonecos, tipo carnaval de Recife!).

A sede do movimento também contrasta com a grandiosidade dos projetos e força de vontade dos envolvidos. Tudo é muito simples, mas é de todos. Mas, a vida não é mesmo um mar de rosas, sobretudo para essas comunidades praticamente excluídas dos muitos processos. As histórias de violência estão presentes, ainda que motivem as ações. São histórias tristes, dessas que costumava ver, ler e ouvir nos noticiários. Creio que chegou a hora de mudar algumas delas. É mais que tempo de reverter esse quadro!





Meninos da Escola Municipal Úrsula Catarino, em Plataforma, na farra, esperando a apresentação.





sábado, 15 de março de 2008

Um verdadeiro faroeste caboclo

Essa semana parei pra assistir uma matéria feita por Amigo Badaró. Tratava-se de um crime acontecido em Santo Amaro da Purificação, cidade do recôncavo baiano. Um homem cometeu um duplo homicídio e ao que tudo indica uma seqüência fútil motivou o delito: um jogo de bola, muito bate-boca, ânimos exaltados e uma espingarda. Como saldo, dois homens mortos e uma comunidade revoltada. O autor (apresentado à polícia dias depois do crime) alegou legítima defesa, os demais presentes deram início a um quebra-quebra na casa do acusado, destruindo tudo que encontraram pela frente.

Sem entrar no mérito da questão sobre a responsabilidade do crime, particularmente considero que a descrença no poder público vai nos conduzindo, aos poucos, àquelas cenas dignas de faroeste. Se a polícia ou a justiça demora ou não age, agimos nós, sem julgamentos, ou pior, seguindo nosso próprio parecer. Ontem, voltando quase em êxtase do show de Lenine, me dei conta de nossa reação em alguns acontecimentos. Um garoto foi impedido de subir no ônibus por outro rapaz que estava completamente embriagado. Passa, não passa, muito barulho e um homem gritou lá da “cozinha”: “deixa o rapaz passar, vá! Por que você não quer deixar ele passar, hein?!”. Pronto. Confusão armada e o tirado a justiceiro levantou, puxou o “encachaçado” pelo colarinho fazendo ele girar a catraca.

Já do lado de cá do torniquete, o justiceiro se apresentou como policial, ameaçou levar pra delegacia e, depois de muito barulho dos que queriam chegar logo em casa, ainda fez menção de dar uns catiripapos na figura. Em 20 minutos todo mundo queria dar uns cascudos no cara, que, mesmo bêbado, de besta nada tinha. Desceu assim que o motorista abriu a porta.

Esse olho por olho me assusta. Se a violência continuar tão descontrolada e todo mundo resolver agir com as próprias mãos, já pensaram nas possibilidades? Quer dizer, incomodou, a gente bate. Não que ache que a justiça aqui trabalha de modo perfeito e eficaz. O sangue (meio espanhol de minha avó materna e o africano da paterna) esquenta em algumas situações. Acho que a justiça da cadeia é muito mais eficiente no trato de estupradores, por exemplo. Não é que concorde, mas que funciona, funciona. Enquanto nada muda na sala de justiça, o melhor ainda é usar o bom senso.

domingo, 9 de março de 2008

E o tal do dinheiro traz felicidade ou não? Às vezes, ao menos, é suficiente

Noite de domingo. Estou a cá, escrevendo completamente anestesiada. Não, não tô doente. Estou é muito feliz. Minha felicidade tem nome e sobrenome: Jussara Silveira. Não é um novo amor, muito ao contrário, me dei conta que até é um amor antigo! Alguns amigos sabem que sou completamente apaixonada pela voz dela. Se não estou enganada lá vão uns dez anos desde a primeira vez que a ouvi. Era um show na Casa do Comércio. Guto havia me convidado. Depois disso, ouvir Jussara vai fazer show... me dá uma tremedeira, me deixa numa agitação só! Ela é docemente maravilhosa!
Minha loucura é tanta que o show de hoje, Gangorra de dois, no Teatro Castro Alves, já havia assistido ao menos, duas vezes. Mas é sempre uma apresentação nova. Bem verdade que a mim bastava que cantasse Juliana, Nobreza, Congênito, Só vou gostar de quem gosta de mim, e, é claro, A dama do cassino!! Ah, lembrei que não fui ao Tom do Sabor. À época, R$40,00 estava completamente fora de minhas posses (e ainda está prum show, mesmo de Jussara!).
Bem acompanhada do excelente violonista Luiz Brasil, minha dama, apelido carinhoso que dei a ela, estava per-fei-ta! Ok, ok, nada imparcial! Sim, claro, é preciso tirar o chapéu pra Luiz também. Fez um solo com um violão especial lá (não sei bem o tipo ou nome do instrumento) de tirar o fôlego. Deu um toque de flamenco pra Eu vou te esquecer. Aplaudidíssimo!!
Dava gosto ver, em plena manhã de domingo, sob o sol escaldante de fim de verão soteropolitano, a sala principal do TCA simplesmente lotada!! A quem não foi, meu sincero sinto muito. Vou passar a semana lembrando e ouvindo a gravação do mp3...

Gutinho, quase cinco anos na “terra da rainha mãe”, hein?! Parece uma eternidade.
Te amo. Muitas saudades docê!!!

sábado, 8 de março de 2008

Mães com (muito) açúcar

Tive uma surpresa pra curtir durante o final da semana. Uma saudosa surpresa, diria. Meu tio mandou umas fotos antigas da família. Em pelo menos duas estou no colo da minha avó. Faço sempre questão de reverenciá-la e dizer com todo gosto e orgulho que sou menina criada com vó. E, sinceramente, sinto que o mundo seria muito mais feliz se as pessoas fossem criadas por suas avós, ao menos, passassem um bom tempo com elas!

Voltei no tempo. Nossa casa ficava nos fundos da casa de meus avós e como mãe trabalhava o dia todo (e todo dia) ficávamos com vovó Du e vozinho - seu Nelson – a maior parte do tempo. Acordar, trocar a roupa e subir. Assim começava nosso dia. Chegando à casa de minha avó, tomávamos banho e depois o café. Nescau pra Déa e eu e café pra Iza (e ainda tinha que ser igual ao do meu avô: com pouco leite, por vezes preto).

Barriguinhas cheias, acompanhávamos meu avô nos afazeres no quintal: alimentar e soltar as galinhas, recolher os ovos e limpar para venda, pegar as bananas, mamão e abacate do alto das árvores. Quer dizer, esperar vozinho trazer lá de cima. Ele nunca deixava a gente subir. Sabe como é, isso era coisa pra homem!

Na frente da casa havia um estranho pinheiro. Estranho porque normalmente esse tipo de árvore tem galhos finos e segue para cima. Ah, mas não a da minha avó! Até isso era especial: seus galhos eram espessos. A gente se pendurava neles (quando ninguém estava olhando, claro!). A árvore crescia para os lados e se desdobrava até a casa do vizinho! Os frutos sempre doces e imensos. A impressão que tenho, hoje, é que dava fruto o ano todo. Não lembro de outra forma de ver aquela árvore, a não ser carregadinha...

Ver novamente o rosto de minha avó me emocionou bastante, afinal lá se vão mais de duas décadas de sua partida, perto do natal de 85. Lembro da comoção de toda família: minha mãe, minhas tias, meus tios por muito tempo guardaram luto carregado de silêncio e dor (sentimentos que transpassavam a mente e o corpo físico, era uma dor na alma). A nós, netos, a alegria perdida dos domingos, o nó na garganta e o olhar perdido para aquela poltrona sempre ali, do lado da porta.

Tempos depois, saber que dormia e sorria na hora da passagem, deu um sentimento esquisito de alívio, muito embora nada dito ou feito consolasse a nós todos! Por muito tempo mantivemos o velho costume de nos reunirmos na casa (agora) de vozinho! Era a maneira de não descuidarmos dele também. Em 1999, vozinho também se foi. A casa ficou fechada muitos anos.

Quase cinco anos depois minhas tias mudaram-se pra lá. Pra parte de cima da casa, onde antes brincávamos. Ainda havia uma escada que dava passagem pra parte de baixo, onde viveram meus avós. Foi difícil olhar pra baixo. Não consegui descer. Era impossível desfazer aquele nó em minha garganta. Voltei pro papo com minhas tias e primas e nunca mais voltei.

Sempre que estou triste ou me sentindo perdida, sonho com aquela casa e meus avós. É como sentisse a proteção de ambos dizendo que as coisas se encaminham. Por vezes fico pensando se ela ia gostar do que sou hoje, do que me tornei. Acho que sim. Nossa ligação é muito forte. De mais a mais se tivesse indo num caminho que não a agradasse, vovó me diria!!!

É gostoso sentir essa saudade. E aqui esclareço que estou saudosista, mas não melancólica. Devo a dona Durvanita, até hoje, me curar com chás e mingaus e não com remédios (isso só em caso extremo). Não tomar água gelada, não ficar descalça (bom, o clima mudou bastante e eu acompanhei. Vez em quando o pé no chão refresca!). Agradeço, sobretudo, a vovó ser uma pessoa absolutamente tranqüila e feliz, coisa de quem experimentou ser amado incondicionalmente!

Tio Antonio, obrigada pelas fotos e por trazer de volta lembranças de um tempo muito feliz, embora, como sempre, não tivesse me dado conta!

sexta-feira, 7 de março de 2008

Entre páginas e tela

Estava curiosa para assistir essa nova minissérie da Globo, Queridos Amigos. Estamos acompanhando, minha irmã caçula e eu. Ainda está, como ela denominou, na fase romântica. As chamadas me atraíram bastante e a história me pareceu conveniente, quer dizer, histórias que tratem amizades - especialmente as de muitos anos -, são sempre bem-vindas.

Meus comentários não são técnicos, minha visão é muito mais de telespectador comum: me encantam o figurino, os carros da época, as personagens curiosas. Os trechos históricos sobre as estratégias contra-ditadura são interessantes, mas obviamente sem aprofundamento, afinal não é interesse da Globo fazer pensar na intenção do movimento e o que é, de fato!

Mas um outro aspecto me pareceu bastante interessante: a entrega dos atores às suas personagens. Tá, até aí, nenhuma novidade, afinal é pra isso que eles recebem com bastante antecedência os perfis de cada uma. No entanto, nem todos conseguem – sempre - dar vida, brilho e convencer quem tá do outro lado da tela.

E nesse ponto, destaco a atuação de Bruno Garcia, no papel do escritor viúvo, Pedro e, obviamente Fernanda Montenegro, encarnando dona Iraci, mãe de Bia, ex-presa política, vivida por Denise Fraga. Devo salientar que o desempenho dos demais também é muito bom, calma lá!

Pedro, atormentado pelo acidente que vitimou sua esposa, parece só esperar a hora da própria morte. E é visível o sofrimento nos olhos, na fala e movimentos feitos pelo ator. Isso sem considerar os 8 quilos que perdeu, segundo uma revista. É uma performance melancólica sem ser melosa: é excelente.

Na contramão, segue Dona Fernanda Montenegro e sua Iraci. Presença confirmadíssima nos bailes e clubes da trama, esbanja saúde e vontade viver. A única coisa que a chateia é a condição da filha: quase quarentona, solteira, desempregada, sua dependente, portanto. Bia resolveu virar esotérica, astróloga. Iraci considera devaneios e atribui aos mal bocados vividos na prisão. Dona Fernanda dá literalmente um show de interpretação com a bon vivant!

Queridos amigos é baseado num livro (que obviamente deve ser bem mais interessante). Por alguns motivos, normalmente essas adaptações perdem muito. Foi assim com Estação Carandiru, de Dráuzio Varela e Senhora e Diva, de José de Alencar. Os livros são infinitamente melhor que a produção para às telas!

Tentei me conter e comentar de maneira mais simples possível pra não matar o clima de curiosidade de quem ainda não assistiu. Outro ponto que ajuda bastante a trama é a trilha sonora. Também de tirar chapéu! Pra quem ainda não viu, dá uma conferida. Até mesmo pra dizer que não é bem assim...

domingo, 2 de março de 2008

" Eu sou neguinha?"

Na quarta-feira parte de um terreiro foi demolido no Imbuí, bairro considerado de classe média em Salvador. O Oyá Unipó Neto estava ali há mais de duas décadas, segundo os noticiários. Diziam também que a justificativa para a derrubada era a reclamação da vizinhança. Não importa a razão. A comunidade negra em peso está em cólicas por aqui. Estão programadas caminhadas pelas ruas da capital, reuniões com a comissão especial de promoção à igualdade e, ainda que digam não haver ligação, a superintendente da SUCOM, Kátia Carmelo, apontada como mandante da ação, foi exonerada.

Episódios como esses me fazem pensar por que ainda não sou uma ativista de fato e direito. Quer dizer, não é que não dê a devida importância a essas e demais arbitrariedades que acontecem por aqui quando a discussão aborda o cotidiano da comunidade negra. É meu dia a dia também. Faço parte dessa briga e, por uma questão de cidadania, faria ainda que não fosse negra!

Participei de poucas caminhadas de 20 de novembro, nunca sai no Ilê ou qualquer outro bloco afro, sequer sei de cor todas as músicas dessas agremiações. Num total paradoxo, fui criada em família católica não-praticante. Assim, tinha espaço para freqüentar terreiros quando menor, ainda que muito mais por imposição de minha mãe. Lembro, entretanto, que gostava muito das festas, dos banhos, dos cânticos. Hoje vou, mas é raro. Obviamente acredito na força das entidades representadas pelos orixás, mesmo que não tenha certeza dos meus guias.

Escolhi um outro lado que considero ser tão importante quanto. Optei por qualificação acadêmica e profissional (não fazem idéia de como essa história de 1% me incomoda!). Optei por espaço nas universidades e especificamente em atividades (reconhecidamente) com poucos representantes negros: sou jornalista, especialista em design de comunicação visual, graduada e pós-graduada em instituição particular. Investimento, aliás, saído do meu próprio bolso (e bem sei de todo esforço!). Há dois anos venho tentando ingressar em mestrado.

Por muito tempo me cobrei uma postura mais agressiva. No mínimo entender mais a respeito de minha própria cultura. E foi assim que surgiu mais uma proposta para o mestrado. Devo tentar (novamente) esse ano. É engraçado por que depois de adotar um visual black, como se diz, passei a ver e ser vista de maneira diferente. É como se os dread locks além de embelezar, abrissem minha cabeça! Tenho participado mais de discussões políticas focadas aos problemas e soluções de nosso dia a dia. Algumas coisas me entristecem às vezes, justamente por ainda acontecerem aqui em Salvador.

Mas a história do meu povo é feita, antes de tudo, de batalhas. Minha história também não poderia ser diferente: expressa num cotidiano no qual pra mostrar que sou boa, tenho que ser a melhor e não falo isso com pena (nem minha nem de ninguém). A velha máxima de matar um leão por dia é a expressão mais fiel que encontrei desde que me entendo por gente... Nada faz mais sentido ou me cabe como uma luva!

Foto: Aline Cavalcante
A imagem integrou o I Seminário Interdisciplinar de Conscientização Étnica da Unibahia, em 2003