Na quarta-feira parte de um terreiro foi demolido no Imbuí, bairro considerado de classe média em Salvador. O Oyá Unipó Neto estava ali há mais de duas décadas, segundo os noticiários. Diziam também que a justificativa para a derrubada era a reclamação da vizinhança. Não importa a razão. A comunidade negra em peso está em cólicas por aqui. Estão programadas caminhadas pelas ruas da capital, reuniões com a comissão especial de promoção à igualdade e, ainda que digam não haver ligação, a superintendente da SUCOM, Kátia Carmelo, apontada como mandante da ação, foi exonerada.
Episódios como esses me fazem pensar por que ainda não sou uma ativista de fato e direito. Quer dizer, não é que não dê a devida importância a essas e demais arbitrariedades que acontecem por aqui quando a discussão aborda o cotidiano da comunidade negra. É meu dia a dia também. Faço parte dessa briga e, por uma questão de cidadania, faria ainda que não fosse negra!
Participei de poucas caminhadas de 20 de novembro, nunca sai no Ilê ou qualquer outro bloco afro, sequer sei de cor todas as músicas dessas agremiações. Num total paradoxo, fui criada em família católica não-praticante. Assim, tinha espaço para freqüentar terreiros quando menor, ainda que muito mais por imposição de minha mãe. Lembro, entretanto, que gostava muito das festas, dos banhos, dos cânticos. Hoje vou, mas é raro. Obviamente acredito na força das entidades representadas pelos orixás, mesmo que não tenha certeza dos meus guias.
Escolhi um outro lado que considero ser tão importante quanto. Optei por qualificação acadêmica e profissional (não fazem idéia de como essa história de 1% me incomoda!). Optei por espaço nas universidades e especificamente em atividades (reconhecidamente) com poucos representantes negros: sou jornalista, especialista em design de comunicação visual, graduada e pós-graduada em instituição particular. Investimento, aliás, saído do meu próprio bolso (e bem sei de todo esforço!). Há dois anos venho tentando ingressar em mestrado.
Por muito tempo me cobrei uma postura mais agressiva. No mínimo entender mais a respeito de minha própria cultura. E foi assim que surgiu mais uma proposta para o mestrado. Devo tentar (novamente) esse ano. É engraçado por que depois de adotar um visual black, como se diz, passei a ver e ser vista de maneira diferente. É como se os dread locks além de embelezar, abrissem minha cabeça! Tenho participado mais de discussões políticas focadas aos problemas e soluções de nosso dia a dia. Algumas coisas me entristecem às vezes, justamente por ainda acontecerem aqui em Salvador.
Mas a história do meu povo é feita, antes de tudo, de batalhas. Minha história também não poderia ser diferente: expressa num cotidiano no qual pra mostrar que sou boa, tenho que ser a melhor e não falo isso com pena (nem minha nem de ninguém). A velha máxima de matar um leão por dia é a expressão mais fiel que encontrei desde que me entendo por gente... Nada faz mais sentido ou me cabe como uma luva!
Foto: Aline Cavalcante
A imagem integrou o I Seminário Interdisciplinar de Conscientização Étnica da Unibahia, em 2003
Um comentário:
Primeiro: creio que a consciência independe da roupa, do fato de se deslocar de ônibus, metrô, carro ou a pé. Independe também da origem étnica. Eu sempre penso nos opostos. Imagine se houvesse uma "consciência branca" ou "consciência amarela", como se houvesse uma outra unidade akém da humana. Creio mais em escolhas e opções de luta.
Segundo: roupa, adereços e até a comida que se come depende muito mais da moda, da necessidade e dos costumes que da consciência ou de que lado você está. Não se preocupe com o "figurino", porque quem lhe conhece sabe que você já venceu a batalha.
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