Uma boa viagem precisa antes de tudo trazer duas sensações: produtividade e expansão de conhecimentos. Se não tem um, nem outro, meu amigo, receio que perdeu dinheiro e oportunidade de abrir a cabeça.
Assim foi uma semana nas montanhas que abrigam o estado de Minas Gerais, em duas de suas cidades históricas – Sabará e Ouro Preto –, além da capital, Belo Horizonte. Datadas do século XVIII, as cidades de Sabará e Ouro Preto parecem ter parado no tempo com sua arquitetura colonial. Realmente cidades belíssimas, com seus sobrados barrocos. Ambas aproveitam muito bem o aspecto turístico, mas, segundo alguns de seus moradores, não é só o que sustenta as cidades. Dividirei em blocos minhas experiências por esses municípios mineiros.
Vila Real de Sabará está a menos de trinta minutos da capital. Quando cheguei à cidade tive a impressão de estar num desses cenários de novela de época. Seus sobrados coloniais, seu teatro municipal, bandinhas nas ruas, o Museu do Ouro, sua gente de fala mansa e ritmada e jeito simples. Me adaptar àqueles costumes parecia fácil. Parecia. Eu, notívaga, me peguei indo para cama antes das 20 horas! Era segunda-feira e nenhum dos pontos turísticos funcionava. Além disso, os termômetros oscilavam entre 16 e 14 graus, isso é muito frio pra quem a temperatura do local de origem não baixa menos que 21.
Ia bisbilhotar a pesquisa de doutorado de uma amiga. Alguma coisa com a temática da sociedade negra do século 18. Nos hospedamos numa pousada cuja dona trazia muitas histórias. Parecia orgulhosa em dizer de sua descendência negra e baiana. Dona Sônia também contava as muitas historias da cidade. O que era, o que tinha e no que se transformara. De como sua riqueza foi sendo diminuída pelos anos, sem os cuidados do poder público. Conheci outras pessoas que guardavam as mesmas queixas.
Imagino o que era Sabará há alguns anos. Se ainda hoje sobrevivem belas suas igrejas, suas casas, apesar das lamentações de seu povo. Os traços de Aleijadinho estão espalhados na Igreja do Carmo, a força do catolicismo na fé que move as pessoas para cima e para baixo naquelas ladeiras. A mão do escravo também é presente.
Estranhamente vimos poucos negros a andar pela cidade. Os que ali estavam, em sua maioria, o faziam por obrigação: limpando as ruas, empacotando nos supermercados, servindo em bares, farmácias e restaurantes. Curiosa também era a maneira como as pessoas me olhavam. Obviamente logo se percebe um forasteiro numa cidade de interior. Mas parecia ser mais que isso. Não era comum estar nos restaurantes do outro lado do balcão, por exemplo. Logo as pessoas se mostravam inquietas.
Chegamos num final de semana em que se comemorava o aniversário da cidade. Sabará estava completando 334 anos! Os moradores estavam numa animação só. Era um grande acontecimento. Foi quando comecei a ver de onde vinha a “gente de cor” da cidade. E eram muitos. Vinham das partes de trás do centro e do alto dos morros, talvez empurrados para longe com o passar dos anos!
Ouvindo histórias do lugar, freqüentando os arquivos e bares antigos entendi que a maioria das casas e mesmo os empreendimentos da cidade são fruto de herança. Isso explicava o que os negros faziam tão longe de onde tudo acontecia. O que eles herdariam? Passada a febre do ouro, das construções imponentes, da escravatura oficial, o que lhes restaria a não ser o descaso, o isolamento?
Foi desse modo que deixei de ver tão somente a beleza do lugar e passei a ler a história pelas entrelinhas da cidade.
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