quarta-feira, 14 de abril de 2010

Testemunha das mudanças

Das coisas mais bacanas desse curso de pós, sem dúvidas posso citar as indicações. São livros e filmes que não sei se teria conhecimento ou acesso fora desse ambiente acadêmico. Semana passada analisamos O Sorriso de Monalisa, filme de 2003, que recria a atmosfera e os costumes do início da década de 1950. Conta a história de uma professora de arte (Julia Roberts) que, educada numa liberal Universidade da Califórnia, enfrenta uma escola feminina, tradicionalista – Wellesley College, onde as melhores e mais brilhantes jovens mulheres dos Estados Unidos recebem uma dispendiosa educação para se transformarem em cultas esposas e responsáveis mães. No filme, a professora irá tentar abrir a mente de suas alunas para um pensamento liberal, enfrentando a administração da escola e as próprias garotas.

Segundo site especializado em cinema, a crítica não aprovou o filme e também havia rumores de que as atrizes que participaram não gostaram muito, além disso, consta que o filme não teve grande desempenho nos cinemas. Inclusive, o site traz que alguns críticos dizem que o filme “é uma cópia (feminina) de Sociedade dos Poetas Mortos.”. Fato que não lembro desse último. Acho que assisti parte dele somente. Na trama, a professora, vivida por Julia Roberts, estimula as alunas a estudarem arte moderna, levando-as a um depósito em Boston para olharem um quadro de Jackson Pollock. Nos catados feitos sobre o filme diz-se que, na realidade, Wellesley foi uma das únicas instituições a permitir que as alunas estudassem arte moderna, começando com um curso no final dos anos 20, ministrado por Alfred Barr Jr., que mais tarde fundou o Museu de Arte Moderna.

Era o módulo que trabalhava a questão de gênero e estudos feministas na pós e precisaríamos escolher uma cena no filme para analisar e discutir. Todo o filme é interessante, mas já que era necessário destacar, escolhi a cena da exposição da cozinha. Escrevi, então.

Um ambiente amplo, sofisticado, branco, cheio de parafernálias eletro-eletrônicas e um armário repleto de mantimentos apresentados pela personagem Betty Warren à amiga Joan Brandwyn como o maior sonho alcançado, como uma benção. Em algum lugar da conversa, a pergunta “não é tudo o que a gente sempre quis?”, fazendo referência aos equipamentos – coisa rara e cara, à época –, pareceu ser o máximo almejado por uma mulher. Não posso deixar de refletir sobre um espaço no tempo e na história em que a nós mulheres só era permitido pensar em sermos boas donas de casa e excelentes esposa e mães.

A amiga Joan Brandwyn, candidata a uma vaga em direito na universidade de Yale, queria mais que os armários, fogão, máquina de lavar e geladeira. Sonhava com a faculdade, além disso. Não vou entrar nos detalhes do tratamento antagônico dado a ambas pelos respectivos companheiros: o primeiro que se preocupava em ser o provedor da casa, sem o mínimo suporte emocional. O segundo apoiava as decisões da mulher, sem se preocupar em ser um mero mantenedor.

Quando volto aos dias de hoje percebo os papéis bastante misturados: não raro se tem notícia de homens que ficam em casa cuidando de afazeres domésticos e dos filhos enquanto as mulheres vão às ruas trabalhar. O inconveniente é que a maioria delas, depois das atividades extra lar, têm uma segunda jornada de trabalho em casa. É difícil estabelecer uma linha entre o que é ser homem e o que é ser mulher hoje. Os valores são outros. Prioridades e perspectivas também. Quantas mães solteiras se tem conhecimento hoje? Quantas mulheres são chefes de família? Daí, não ser tarefa fácil entender quais os papéis de cada um na sociedade atual. Como discernir funções num ritmo de disputa acirrada em que o mais interessante seria somar forças? Mas como somar forças num universo ainda tão desigual quando levamos em consideração a divisão por gênero? Inquietações ainda sem respostas prontas.

Hoje estudamos mais e exigimos mais de nós mesmas e, é válida a ressalva, a sociedade exige mais de nós também, já que “teimamos em descumprir funções para às quais fomos designadas”. Apesar das dificuldades, acho pouco provável encontrar uma mulher que seu único sonho seja casar e ter uma casa equipada para cuidar. O filme O Sorriso de Monalisa é uma reflexão cuidadosa em muitos aspectos. Tento trazer a cena analisada aos dias de hoje, sem sucesso. Penso se em nossa sociedade ainda há espaço para esse comportamento: tudo o que as mulheres podiam pensar em desejar eram novos equipamentos eletro-eletrônicos, mesa farta para a família e uma casa para cuidar, como suficiente.

Sinceramente não vejo nada demais em querer um lar e filhos. É a ideia de minimizar os sonhos que me incomoda. Afinal, quantas de nós adiamos maternidade, desejo de muitas, em função de um mercado de trabalho acirradamente disputado? Preferimos planejar e organizar a chegada e manutenção dos filhos, e para isso nos dedicamos às atividades e qualificação profissionais?

Imagino, por outro lado, a estranheza que seria alguém contar nosso modo de vida hoje para as mulheres do início da década de 50. Que pensariam elas? Ainda bem que o tempo passa e é a história a grande testemunha das mudanças bem vindas ou não, mesmo num primeiro momento, mas indiscutivelmente necessárias.

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