sábado, 13 de outubro de 2007

O grande relógio

Das tantas canções que nos falam sobre o tempo só consigo lembrar Tempo Rei, de Sua Excelência Gil e parte de Oração ao Tempo, de Caetano. Esse tic-tac esquisito que, sem avisar, começa bater desde que somos uma coisinha de nada e vai se somando à medida que crescemos... e lá se vai: tic-tac, tic-tac... Penso nas coisas que abri mão de fazer hoje. Fiz outras. Mas tive a sensação de perder tempo deixando de cumprir as tarefas que havia programado. Ia aproveitar o feriado pra organizar pesquisas, atividades da pós, adiantar trabalho, tudo pra não perder tempo.

Mas que maluquice, não? Como a gente pode perder tempo? Devemos é aproveitá-lo. Por que ele passa, é fato, num implacável tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac. Escuto que Paulo Autran acaba de morrer. Fiquei triste. Lembro aquela maravilhosa cena entre ele e Fernanda Montenegro, na novela Guerra dos Sexos. Achei que tivesse feito mais novelas. Taí alguém que, a meu ver, aproveitou bem o tempo!

Depois de tantas idas e vindas na tv e cinema, sua conhecida paixão pelo teatro, voltou a fazer rádio. E foi onde conheci outra de suas facetas: há uns dois anos, tinha uma coluna - Quadrantes -na qual recitava belíssimos poemas e crônicas brasileiros, na Band News. Show de interpretação em poucos minutos. Sempre concluía sua participação assim: “e vamos ao teatro!”. Mesmo debilitado, aos oitenta e poucos anos, seu entusiasmo era evidente.

Uma das coberturas feitas pelos jornais trazia um depoimento no qual ele falava da morte. Dizia que o mundo seria terrível se as pessoas não pudessem morrer um dia, acabar. Minha mãe concordava. Mas ainda assim fiquei pensando na angústia de nossos velhos ao verem pessoas ao seu redor irem naturalmente partindo umas após as outras... É como se a fila fosse encurtando até chegar sua hora. Realmente
implacável esse tic-tac!

No entanto, analisando com mais frieza, essa não é uma preocupação de nossos velhos somente. Lembro que aos dez anos, perdi uma amiga da mesma idade. Tudo parecia tão esquisito. “Não é a ordem natural das coisas”, diziam alguns. Não sei que ordem é essa. Quem a inventou? Como se calculam esses tic-tacs?

Sobretudo nos dias de hoje, quando você sai e não sabe se volta em função de muitas coisas. Estamos aqui e, já diria Sua Excelência, “tudo agora mesmo pode estar por um segundo...”. Estamos todos muito mudados: homem, ambiente e hoje qualquer fator parece um risco. Quando se poderia imaginar morrer de calor, de frio, de fome, de tanto comer, de comer, jogar pra fora e comer de novo? Tic-tacs adiantados.

Observo minha mãe às vezes. Percebo quanto ela corre pra fazer o melhor pra Gabriel, por exemplo. Parece que tem sempre em mente que pode não acordar. E nessa neura, perde momentos ótimos. Ganha também, felizmente. Estraga bem o menino como toda boa avó.

Parei pra ver o sol se pôr hoje. Tive a impressão que meu tic-tac desacelerou um pouco. Me permiti alterar minha agenda super-hiper-congestionada pra assistir, gostosamente, o tempo passar... E, bem devagar, era até capaz de ouvir a qualidade que dei a meu tempo. Ele agora fazia tiiiiic, tiiiiic, tiiiiic, tiiiiic-tac!

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