sábado, 30 de maio de 2009

A volta de uma caixeira viajante

Poderia listar algumas das vantagens de se trabalhar no interior, mas com certeza uma única desvantagem tem pesado mais a balança: meu maior problema em ir para Alagoinhas – pouco mais de 100 km de Salvador – é pegar a estrada e rodar duas horas até a cidade. Na verdade são quatro horas, já que volto pra casa. Devo confessar, contudo, que me divirto com as histórias, com as pessoas que conheço a cada viagem. Que posso fazer? É mais forte que eu!

Ontem, sexta-feira chuvosa, estava eu caindo na estrada mais uma vez. Detesto pegar a pista em dias assim. É como se os imprevistos se tornassem mais próximos de serem previstos. Um descuido mínimo e nos tornamos estatística das péssimas condições das estradas baianas.

Uma padaria, um posto médico, um banco, um supermercado, uma igreja. Pronto! Acabou a cidade! Assim é Alagoinhas. Assim também são suas cidades vizinhas. Meia hora é suficiente pra pular de uma para outra. Uma carona até a cidade mais próxima e estava em Catu. Também parecia mais iluminada que o local onde estava.

Aguardava num dos entroncamentos da cidade um ônibus para Salvador. Não estava sozinha. Ali conheci um casal de sorveteiros. Dia difícil para vender sorvetes já que a chuva não dava trégua. Eram de Salvador, moradores da Suburbana, mas optaram há anos vender nas cidades do interior. Tiram uma grana legal e fazem muita amizade, me contava ela. Um casal que parecia feliz em seu cotidiano.

Tudo começou porque ela se queixava que precisava ir ao banheiro. Enquanto escutava seus reclames, lembrei de uma pesquisa que ouvi anos atrás explicando porque fazemos mais xixi em dias frios. Oras, mas que pedantismo de minha parte! Sinceramente a ela pouco importava que, por alguma razão, nossa bexiga se comprime mais quando a temperatura baixa. Na prática, o que isso mudaria naquele momento? Certo é que a pessoa na pastelaria disse que não havia banheiro ali e indicou a churrascaria ao lado. Assim o fez, mas se achando injustiçada no que chamou de falta de solidariedade do ser humano.

Caminhou de volta com seus passos tímidos. Corpo avantajado, como dizemos aqui. Negra de seios fartos e quadris grandes. Cabelos trançados à jamaicana em corte Chanel. Toda apertadinha em seu conjunto de malha amarelo: Uma blusinha de alça e um short. Explicava ao companheiro porque vinha da churrascaria se ele havia indicado ir à pastelaria, que era de um suposto conhecido seu.

Ele também estava apertado. Bobagens! Os homens não se afligem com esse tipo de coisa. Encostam em qualquer lugar e executam seus serviços! Voltou do poste mais próximo e retomou o saco de amendoins cozidos. Vestia uma bermuda surrada, a camisa trazia a propaganda de um político qualquer – que deveria estar bem quentinho em sua mansão aquela altura da noite – e, claro, um boné.

Começaram a discussão sobre a atitude da moça na pastelaria. Ela olhou pra mim como se me incluísse no papo. Logo estávamos os três conversando a respeito das atitudes das pessoas nos dias de hoje. Muito filosófico! Em meio aos causos, ele lançou o saquinho: “quer amendoim, menina?”. Pensei: “mas de jeito nenhum. Estou acompanhando seus passos há mais tempo que você imagina!”. Respondi: “não, obrigada, acabei de lanchar e acho até que não caiu bem.” Minha resposta eliminava qualquer chance de insistência na oferta. “quer um sorvete, então?”. Ai meu Deus! “não, obrigada! Tomei tanta chuva que a garganta já começou até incomodar.” Acho que me sai bem!

Continuamos ali, agora debaixo de uma chuva fina e insistente. As horas passavam e nem sinal do ônibus. Procuramos lugar pra nos abrigar. Enquanto carregava o carrinho do sorvete, ela reclamava que ia perder aula por conta daquela demora. Contava que parou de estudar ainda menina. Entrou na Escola da Vida: engravidou e ficou fora da sala de aula por 16 anos. Retomou agora, aos 32 anos de idade. “A gente sempre aprende, né? Acho que ainda tenho tempo!”. Me disse entusiasmada. Logo a quem ela perguntou. Prontamente, concordei!

Enfim, o ônibus para Salvador. Quase duas horas depois, subimos. Enquanto guardavam os carrinhos na parte inferior do ônibus com a ajuda do cobrador, embarquei e passei para um dos assentos finais. Ao subirem, me procuraram. Nos acenamos certos de mais uma história de trabalho pra contar para os filhos, de mais um texto para o blog, de mais pessoas que enriquecem nossas experiências com seu cotidiano simples.

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