sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Non, Je ne regrete rien

Esta tarde assisti Piaf. Estava curiosa, desde a estréia a crítica foi só elogios. Ainda estou digerindo. Talvez veja mais uma vez. Luiz – amigo recente –, de Brasília me sugeriu ver a história depois de termos acompanhado o seriado sobre a vida de Maysa. Diferente desta, me lembro de ter escutado Edith Piaf umas 3 vezes no rádio, sei lá. Já Maysa não. Embora não soubesse muito de sua vida pessoal, cresci ouvindo suas canções e interpretações. Minha mãe e minhas tias sempre gostaram muito e colecionam vinis e CDs (todos CDs originais, diga-se de passagem).

Considerando as películas, acho que em comum tinham poucas coisas. Obviamente as duas eram intérpretes e compositoras maravilhosas. Ambas viscerais, mulheres que pagaram altos preços, incluindo a solidão, para ser quem foram, ignorando o que era convencional e fazendo a diferença! Aos olhos de simples telespectadora, a meu entender, a grande diferença foi a trajetória: enquanto Maysa fazia bicos e birras para impor o que queria, fazer sua própria vontade para Piaf significou, muitas vezes, sobreviver.

Quando o DVD de Piaf parou de rodar, lembro que pensei: e eu que achava minha vida difícil! Sem considerar o período a que esteve exposta – passou pelas duas grandes guerras e suas conseqüências –, foi abandonada pela mãe, criada no submundo parisiense e sofreu de problemas crônicos de saúde, tinha tudo para desistir a qualquer momento de sua vida. Mas, não o fez. E ainda bem!

Lembro das conversas na sala de estar e nos jardins da casa de Yêda há pouco mais de duas semanas, onde Luiz e eu aproveitávamos as férias. Tratamos variados assuntos. Falávamos de mercado de trabalho, relacionamentos, estudo, discriminação. Ele, mais experiente – como insistia em se rotular todo o tempo – me apontava vantagens e desvantagens em seguir o fluxo, trabalhar e ser uma pessoa comum, com ideais comuns ou me tornar ícone de qualquer causa e suportar as conseqüências como fizeram Maysa, Piaf, Diniz, Che, Obama, Gandhi e tantos outros.


Não sei se estou pronta para ser uma pessoa comum. Mas também não sei se quero andar com um alvo nas costas, ser uma cabeça premiada por pensar ou agir diferente, e melhor: fazer com que alguém me siga. Luiz também me apontou uma terceira via na qual eu possa seguir o fluxo e nas horas vagas fazer a diferença. Algo como ter uma identidade secreta. Taí, gostei dessa. A verdade é que enquanto tudo me interessar – e, sobretudo, me inspirar – posso ser qualquer coisa, inclusive nada. Mas confesso que é humanamente difíci, depois de ter acesso a histórias como as de Piaf, passar indiferente pela vida!

Estagiando com pimpolhos

Dois dias inteiros em casa com Gabriel são suficientes pra me lembrar alguns dos motivos pelos quais venho adiando a chegada de Maria Luisa (é, parece loucura, mas já escolhi o nome). Ainda que considere que minha paciência esses dias tá no nível do meu pé, ele bem podia dar um refresco. Afinal por que ele insiste em querer ver desenho animado no horário do jornal? Por que a hora do banho sempre me lembra as duas guerras mundiais? As duas mesmo porque é uma guerra pra entrar e outra para sair...! Isso porque não mencionei ainda as duas horas que leva almoçando. Uma tia esteve aqui e lembra que a gente fazia igualzinho na idade dele. Claro que ele não precisa saber...

No começo da semana inventou que queria brincar aqui dentro de casa com um amiguinho (aliás, que amiguinho virado!!). Bem na hora em que estava fechando um projeto no computador?! Sem chance! Até porque eles bagunçam tudo e nunca se lembram de arrumar depois. Ou bem trabalhava ou bem espiava os pestinhas. Ao menos deixei os dois curtindo uma bolinha aqui fora, na quadra. Mas na hora de entrar...

É difícil, por vezes, lembrar que é uma criança sozinha, como muitos dos amigos deles: Filhos únicos, criados – e crescendo – cercados de montes de adultos tentando sobreviver e mantê-los vivos, diga-se de passagem. É difícil também compreender que as necessidades de atenção e carinho não seguem padrões, horários ou limites. É humanamente impossível entender onde desligar aquelas benditas baterias, né não?

Ah, e essas aulas que não começam...!

Meu Mundo e Nada Mais

Quando eu fui ferido, vi tudo mudar
Das verdades que eu sabia...

Só sobraram restos
E eu não esqueci toda aquela paz que eu tinha...
Eu que tinha tudo, hoje estou mudo
Estou mudado
À meia-noite, à meia luz
Pensando!
Daria tudo por um modo de esquecer...

Eu queria tanto estar no escuro do meu quarto
À meia-noite, à meia luz
Sonhando!
Daria tudo por meu mundo e nada mais...

Não estou bem certo se ainda vou sorrir
Sem um travo de amargura...
Como ser mais livre,
Como ser capaz de enxergar um novo dia?

Eu que tinha tudo hoje estou mudo
Estou mudado
À meia-noite, à meia luz
Pensando!
Daria tudo por um modo de esquecer...

Eu queria tanto estar no escuro do meu quarto
À meia-noite, à meia luz
Sonhando!
Daria tudo, por meu mundo e nada mais...

Guilherme Arantes

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Comediantes de nós mesmos

Abri minha caixa de emails hoje e tinha essa mensagem enviada por minha tia. Achei interessante. Curioso como a mente é campo fértil nos momentos de aperto. Parafraseando Simão em sua coluna na band news, somos mesmo o país da piada pronta, né não? Lá vai.


Nova explicação à crise financeira‏

Há algum tempo circulou na internet um e-mail interessante com explicações de como a crise financeira começou. No e-mail a bolha imobiliária foi comparada à situação de um bar cujos fregueses pagavam pontualmente suas pingas "penduradas" para o final do mês. Determinado investidor "compra" a "carteira de crédito" do bar (ou seja, os recebíveis futuros das pingas "penduradas"), cria derivativos a partir dela e passa a comercializar este novo produto financeiro no mercado.


Bancos e demais investidores adquirem estes derivativos e começam a especulá-los na comercialização dos mesmos no mercado futuro com taxas de retorno muito atrativas. Entretanto, no momento que os bêbados deixam de pagar os "penduras", toda a estrutura financeira vem abaixo em um grande efeito dominó.

Esta explicação era muito boa para demonstrar como surgiu a crise de crédito. Mas acho que atualmente a crise financeira está em uma nova etapa: há hoje uma grande crise de confiança, afinal, os governos do mundo todo despejaram rios de dinheiro no mercado, mas mesmo assim a coisa não vai para frente.

A melhor analogia para esta nova etapa da crise financeira é uma casa de swing: em uma casa de swing lotada, todo mundo está comendo e/ou dando para todo mundo. A música tá rolando alto, whisky, cervejas, vodkas e viagras a vontade. Até que determinada pessoa no meio da sacanagem grita bem alto: "EU TENHO AIDS!!!".

Pronto: ninguém sabe se comeu e/ou deu para esta pessoa (e pior... se comeu e/ou deu foi com ou sem camisinha). Quem estava comendo e/ou dando irá parar de comer e/ou dar porque não sabe se a pessoa que está comendo e/ou dando naquele exato momento comeu e/ou deu para a pessoa que gritou que tem AIDS. Todos avaliam o risco de sua situação e, é certo, não vão mais comer e/ou dar para ninguém mais por um bom tempo (ao menos até saberem se têm ou não AIDS). E quem tinha acabado de chegar na casa de swing e ia começar a comer e/ou dar feito coelho não vai mais comer e/ou dar.

É esta crise de confiança que abalou a casa de swing que atualmente abala o mercado financeiro: quem estava investindo não investe mais; e quem pensava em começar a investir não investirá mais. A analogia entre a casa de swing e o mercado financeiro é mesmo a mais adequada, afinal, no frigir dos ovos, é tudo a mesma coisa: uma grande sacanagem!

Ney, o inclassificável

Tô com tanto mp3 em Marley. Esses dias em casa tirei umas horinhas pra escutar. Alguns copiei pelo artista, mas sequer tinha ouvido falar no álbum. Estou curtindo boas surpresas. Embora não tenha sido o caso – assisti uma entrevista no à época da divulgação do trabalho –, mas o Inclassificáveis de Ney Matogrosso superou minhas expectativas. Passei ouvir mais Ney depois do cd com músicas de mestre Cartola. Assisti a interpretação em DVD também. Aí, no contra fluxo, “descobri” as pérolas do Secos & Molhados. Mas aí faço questão dos CDs...

Releituras, como o tempo não pára e divino e maravilhoso, ficaram simplesmente maravilhosas! Duas - novas para mim -, no entanto, eu destacaria: Leve e Lema. Li uma entrevista falando de um trecho de Leve numa dessas “revistas fotográficas”, contigo, acho. Me fez Lembrar que tinha aqui as canções. A outra, Lema, é dessas canções auto ajuda, que adoro e acabo inserindo em algum contexto na vida. Segue aí a letra, que não consegui saber a autoria, pra registro.

Lema

Não vou lamentar
a mudança que o tempo traz, não
o que já ficou para trás
e o tempo a passar sem parar jamais...

já fui novo, sim
de novo, não
ser novo pra mim é algo velho

quero crescer
quero viver o que é novo, sim
o que eu quero assim
é ser velho...!

envelhecer
certamente com a mente sã
me renovando
dia a dia, a cada manhã
tendo prazer
me mantendo com o corpo são
eis o meu lema
meu emblema, eis o meu refrão!

mas não vou dar fim
jamais ao menino em mim
e nem dar de não mais me maravilhar
diante do mar e do céu da vida...

e ser todo ser, e reviver
a cada clamor de amor e sexo

perto de ser um Deus
e certo de ser mortal,
de ser animal
e ser homem

envelhecer certamente com a mente sã
me renovando dia a dia, a cada manhã
tendo prazer me mantendo com o corpo são
eis o meu lema meu emblema, eis o meu refrão!
tendo prazer
me mantendo com o corpo são
eis o meu lema
meu emblema, eis o meu refrão!

eis o meu lema
meu emblema, eis minha oração
eis o meu lema
meu emblema, eis minha oração

Ioba iê

Tocando e seguindo em frente

Vinha voltando de Arembepe sábado à noite ouvindo a excelente interpretação de mano Caê pra jokerman. Não entendo bem a letra, apesar de falar inglês, as palavras não fazem sentido como unidade. Parece uma salada de frases soltas. Talvez por isso a melodia, os arranjos de Caetano, especificamente, mereçam mais atenção. Já teríamos no título uma tradução literal? Seria, acaso, um piadista? Sei lá. Mas, gosto da idéia de um “pássaro voar alto através da luz da lua.” Viajei em tantas coisas. A morte sempre nos obriga a isso, não? Rever coisas, atitudes, decisões.

Deixei os meninos relativamente bem. Quero dizer, se é que se pode dizer isso numa ocasião dessas. Em alguns instantes tínhamos a sensação que ela iria entrar pela porta normalmente reclamando que alguma coisa estava fora do lugar, que ainda não tinha molhado as plantas, pensando no que fazer pro almoço. Era como se a ficha não tivesse caído ainda. Pati, a mais velha, que virava mexia tinha uns arranca-rabos com ela, ainda não tinha chorado. Ficamos preocupados. E, no fim, estavam se organizando. Readequando os afazeres da casa.

Duas certezas, pensei: pra morrer, basta estar vivo. Já ouvi tantas vezes. A outra é que a vida segue seu fluxo. E é esse poder de superação que nos salva a todos e em variados momentos, nos diversos acontecimentos pela vida a fora. Lembrei de um dito que vinha num livro que ganhei quando fiz catorze anos, acho. O livro, azulzinho, de bolso, chamava-se instantes de reflexão – sabedoria. Era uma coletânea. As palavras eram: “deus dá o frio conforme a roupa.” É o tipo de coisa que agora pode não fazer sentido algum, mas dia após dia, quem sabe?

Me coloquei a disposição e estou monitorando meus amigos através de telefonemas. Sei que vão ficar bem, afinal, já dizia Bosco: “o show de todo artista tem que continuar!”

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A hora da partida

Me lembro da farra que nos aguardava aquela tarde de algum dia em 1994, acho. A idéia era estudar. Até fizemos, já no final do dia, a muito custo. Chegamos à casa de Aline e André, dois irmãos, pouco antes do almoço. Dona Conceição, mãe dos meninos havia preparado um verdadeiro banquete para os amigos dos filhos. Muito reservada não era todo dia que tinha amigos dos filhos em casa. Não era dada a essas intimidades o tempo todo. Professora, sempre, prezou os estudos.

O tempo passou, a amizade se manteve. A família começou passar seguidos verões em Arembepe, litoral. Da turma que andava junta, eu fiquei mais próximo e passei a freqüentar, além da casa em Mussurunga, todas as casas na praia. Apaixonada pelo lugar, finalmente dona Conceição convenceu toda a família e mudaram-se para praia.

Passaram-se os anos, os meninos já crescidos, cada um tomou seu rumo, mas sempre por perto. Aline e eu estivemos juntas final de ano com Guto que curtia férias. Ainda hoje nos falamos duas vezes.

Era começo de noite quando Liu me ligou. “Rai, minha mãe faleceu.” Senti uma dor tão profunda. Ela sempre me lembrou, fisicamente, a minha mãe. Tinham problemas semelhantes de saúde então estávamos sempre trocando figurinhas a respeito de novos medicamentos, remédios caseiros. E não era só isso. Havia me adotado na família, abriu as portas de sua casa, não somente porque era amiga de seus filhos, mas porque a conquistei, segundo Aline.

Chorei muito. A vontade que tinha era ir pra lá imediatamente e ficar ao lado de meus amigos. Estava tarde pra pegar a estrada. Eles próprios me convenceram a ir amanhã. Vai ser um dia difícil. Um dia de despedida.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O presidente pop star e o pó de pirlimpimpin

Lembro feito ontem minha emoção naquele 05 de novembro acompanhando no rádio e na TV a apuração dos votos para o então candidato Barack Obama. Aquela madrugada se confirmaria como um momento que parecia impossível há muito pouco tempo na história: a nação mais poderosa do mundo colocaria no mais alto posto um homem negro e de experiências pessoais e familiares tão distintas que iriam compor sua visão de mundo e ampliar o que ele entendia por direito e respeito à diversidade.

Pouco mais de dois meses passados e Barack Hussein Obama toma posse como presidente norte americano, o 44º daquele país. Me preparei para assistir pela TV a cobertura dos colegas que tiveram o privilégio de acompanhar tão de perto esse marco, mais um divisor de águas na história mundial. Não é por se tratar dos Estados Unidos da América, nunca alimentei sonhos de conhecer aquele país, muito ao contrário, mas não há como negar o valor histórico que a ocasião merece.

E tudo foi grandioso na posse de Obama, como não poderia deixar de ser, levando em consideração a importância do evento. A começar pelo número de pessoas ali presentes, segundo a rede CNN, emissora local: mais de dois milhões de pessoas, estima-se. Elas ignoraram o frio que batia a casa dos 5 graus negativos com sensação térmica 3 vezes maior, segundo colegas que faziam a transmissão. As pessoas se amontoavam e voltavam atenção, olhos e ouvidos aos telões e pareciam hipnotizadas pelas atrações apresentadas na solenidade. Um discurso de cerca de vinte minutos levou mulheres, homens, velhos, jovens, negros e brancos às lágrimas.

Acompanhando a excelente transmissão feita pela Record News, tive oportunidade de ouvir convidados, especialistas em relações internacionais e professores de universidades diversas no Brasil e exterior. Eles explicavam a situação dos Estados Unidos em meio à crise – e o efeito dominó causado por ela – e a confiança exagerada depositada no novo presidente. A questão não é competência, mas fazer o que é possível. Não somente os olhos do mundo, mas principalmente os bolsos, esperam que Obama opere um verdadeiro milagre!

Tenho aprendido, sobretudo em política, que a linha que divide a sensatez, a sanidade e mesmo as ações incentivadas ou movidas pelo desespero, do real são muito tênues. Num dos flashes da transmissão pelo mundo, uma jovem mulher acompanhava a posse de Paris e dizia esperar que Obama salvasse o mundo. Até visualizei a cena. Tal qual esses filmes americanos, qualquer desses enlatados em que o herói veste uma capa vermelha e azul com estrelinhas brancas no detalhe. Ele aparece com algum super poder e salva os pobres mortais de um vulcão gigante em erupção, um maremoto, forças ocultas, um ataque extraterrestre, sei lá. Vê a linha fina entre as obras de Spielberg e o pleito americano na cabeça de alguns? Espero e torço mesmo que as pessoas consigam distinguir a ficção da realidade.

Nada será fácil, entendo isso. Quando pensamos na globalização como um ponto positivo da nova ordem, acho que não lemos as letras miúdas onde estavam escritas as entrelinhas da economia, da política e se colocava em prática um velho dito canarinho: “pau que dá em Chico...”. Tudo feito por aquelas bandas vai afetar mais cedo ou mais cedo todas as demais bandas.

Lógico que os estadunidenses esperam que as centenas de milhares de dólares investidas somente no aparato de segurança do presidente sejam revertidas em ações enérgicas e/ou imediatas. Obama, no entanto, deixou claro em seu discurso que será necessária a colaboração de todos para que os planejamentos se concretizem em médio e longo prazo.

Agora é esperar pra ver. Façam suas apostas.
Minha fé humanista me diz que vale à pena crer nas possibilidades.
Imagem: banco de imagens google

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Reduzido a pó

No início da semana acompanhei uma amiga ao cemitério para dar entrada ao processo de cremação dos restos mortais do marido. Com quase oitenta anos e viúva há pouco mais de quatro, não seria nada fácil enfrentar o adeus definitivo àquele companheiro de mais de quarenta anos. Estava preocupada. Minha idéia era evitar que passasse por tal situação e me ofereci pra cuidar sozinha dos procedimentos, afinal, o fato de não tê-lo conhecido poderia facilitar a execução da tarefa. Deixaria pra trás minhas cismas com cemitérios e cuidaria dos trâmites.

Ela não quis que cuidasse, achou que era dar muito trabalho, mas me pediu para acompanhá-la. Estava nervosa, embora tentasse não transparecer. Seguimos. No caminho contou que já havia pago cerca de mil reais para o serviço. Entrou em contato horas antes com a administração do cemitério a fim de agilizar o processo e diminuir as horas de permanência naquele lugar.

Numa pequena sala uma mulher nos recebeu. A mesa dela estava no centro da sala e ao redor muitas estantes carregadas de caixas, as chamadas urnas: grandes, pequenas, coloridas, brancas, prateadas ou cinzas. Todas traziam nas etiquetas os nomes dos mortos.

Com a naturalidade de quem já está adaptada ao local, à inexistente movimentação da clientela, ao serviço enfim, ela nos ofereceu água, café enquanto procurava uma ficha com os dados do morto. Aquilo tudo me pareceu tão estranho! Não encontrou a tal ficha e começou a fazer perguntas à minha amiga. Um questionamento ainda doloroso. Fiquei incomodada com aquela situação, com a falta de tato. Afinal, tudo deveria garantir o mínimo de permanência ali para “aqueles que ficam”. Lá pras tantas ela perguntou à minha amiga se a exumação já estava agendada. Foi a gota dágua! Oras, se vai haver uma cremação, presume-se precisar do corpo. E seria ela a pessoa a identificar se os procedimentos corriam normalmente, ou não?!

Não sei se o ambiente, as perguntas ou toda a situação. A minha amiga começou a dar respostas ásperas e monossilábicas, levantou-se de repente e disse que ia embora. A moça insistia em explicar os passos de todo processo, tentava, tardiamente, ser gentil. Já não funcionava. Minha amiga saiu da sala. A funcionária ficou de ligar depois e informar o dia pra retirar a urna.

A situação toda era nova e tão esquisita pra mim. E não era somente pelo caráter dolorido que a morte imprime a meu ver. A idéia da morte é muito mal resolvida em minha cabeça, admito. Ainda assim, passadas as horas e, analisando friamente, não deveria ficar tão mal impressionada, afinal, se as pessoas não estão considerando as outras enquanto estão vivas por quê o fariam depois de mortas? Para quem está do outro lado é um negócio como outro qualquer. E o que seria dos matadores de aluguel se um lampejo de sensibilidade os acometesse na hora de puxar o gatilho? Um mundo mais feliz, por certo.

Apesar de tudo, mantenho minha fé nas pessoas. Uma esperança teimosa. Continuo acreditando no dia em que o zelo e a atenção com o próximo faça parte do consciente coletivo. Insisto na crença que o cuidado com o outro tem o poder de transformar.

Apaixonadíssima

Que todo ano começa devagar já se sabe. Encontrei amigos curtindo férias, conheci pessoas de outras cidades também em férias e resolvi pongar no descanso alheio. Me desliguei de quase tudo. Consegui afinal. Ainda curto... Trouxe Marley e escrevo da varanda da casa de uma amiga em Vilas do Atlântico, bairro da orla de Lauro de Freitas, município vizinho a Salvador.

Para retomar o ritmo, resolvi puxar da gaveta uns velhos projetos. Conto, claro, com antigos parceiros de sonhos. São projetos pelos quais me apaixonei, continuo ligada, mas que por algum motivo a realização tornou-se inviável. É como limpar as gavetas para o ano novo: Umas coisas atiram-se fora, outras permanecem guardadas e outras merecem outro olhar, uma adaptação talvez, uma nova maneira de reinventar a paixão.

Entre um banho de piscina e outro de mar, aproveito as vantagens da tecnologia e ponho as palavras no editor de textos, escutando Cartola, Jussara Silveira, Bethânia, Bob, Fitzgerald e outras maravilhas que Marley carrega.

Andar Com Fé

Andar com fé eu vou,
que a fé não costuma "faiá"
Andar com fé eu vou,
que a fé não costuma "faiá"
Andar com fé eu vou,
que a fé não costuma "faiá"

Que a fé tá na mulher
A fé tá na cobra coral
Ô-ô
Num pedaço de pão
A fé tá na maré
Tá na lâmina de um punhal
Ô-ô
Na luz, na escuridão

Andar com fé eu vou
Que a fé não costuma "faiá"
Andar com fé eu vou
Que a fé não costuma "faiá"

A fé tá na manhã
A fé tá no anoitecer
Ô-ô
No calor do verão
A fé tá viva e sã
A fé também tá pra morrer
Ô-ô
Triste na solidão

Andar com fé eu vou
Que a fé não costuma "faiá"
Andar com fé eu vou
Que a fé não costuma "faiá"
Andar com fé eu vou
Que a fé não costuma "faiá"

Certo ou errado até
A fé vai onde quer que eu vá
Ô-ô
A pé ou de avião
Mesmo a quem não tem fé
A fé costuma acompanhar
Ô-ô
Pelo sim, pelo não